segunda-feira, 20 de março de 2006

 

O MIMEÓGRAFO PISCA-PISCA – (O dia em que faremos contato)

Lá estava ele, logo ao lado do computador. O computador! Porque o deixei ligado? Lembro-me de tê-lo desligado antes de deitar. Deve ser vírus. Que visão perturbadora! Duas máquinas incompatíveis temporalmente, lado a lado como o tubarão e a rêmona, numa simbiose comensalista. Mas no Comensalismo, uma das “espécies” deve se aproveitar dos restos desprezados pela outra. Quem era quem nessa cena?
Nos tempos de Internet à cabo, finalmente liberta dos impulsos telefônicos, e da tecnologia “wireless”, meu computador provavelmente não seria dependente de uma máquina arcaica como um mimeógrafo. Então, o mimeógrafo devia estar se alimentando de restos desprezados por meu computador.
Que restos seriam estes? Textos, salvos não sei porquê, escritos supostamente por notórios e enviados por amigos desconhecidos? Sistemas criados com paixão para a
Samitri? Intermináveis trabalhos de faculdade? Utopias de aperfeiçoamento de qualidade para o Banco do Brasil? Planilhas complexas que tentavam mensurar em números o valor de cada ser humano do Sebrae? Músicas que foram trilha sonora da minha vida? Fotos de pessoas queridas e momentos que ficaram no passado?
Não! Isto tudo não são restos! Isto tudo é bagagem, é vida, sou eu. Bagagem constitucional, sem valor monetário nem afetivo. Bagagem que não pesa. Não pude descartar esta carga como o fez Capitão Mendonza em “
A Missão”, pois ela não me pertence. Não sou o que tenho, sou o que sei. Que valor isso teria para uma máquina inanimada do tempo do Kafunga?
Inanimada? Como um mimeógrafo poderia estar funcionando sozinho, sem operador? Estamos em tempos de Inteligência Artificial, mas são modernidades que esta máquina não presenciou. Seria mágica? Não acredito em mágica, no máximo, truques. Pode ser coisa do inconsciente coletivo. Sempre ouvi céticos explicarem as coisas de Deus com este jargão
junguiano que nunca entendi. Mas como já disse Renato Russo: “Estou cansado de ouvir você falar em Freud, Jung, Engels e Marx”.
Ao me aproximar da máquina reparo em outro fato inusitado. O mimeógrafo está funcionando com seu característico cheiro de álcool, mas as esperadas páginas com textos arroxeados não existem. Onde está o resultado de todo aquele trabalho ruidoso? Aproximo-me mais e percebo que o computador está conectado na web, redigindo espontaneamente um blog. Duas máquinas funcionando sozinhas, devo ter perdido a razão. Talvez tenha sido tarde para optar pela abstinência etílica. Ou é um sonho. Só pode ser. Para um ser tão apegado à lógica como eu, não é fácil aceitar que a vida talvez seja mais próxima do Realismo Fantástico de
Garcia Márquez que da fantástica realidade de Stephen Hawking.
Que texto estranho era este sendo publicado no blog? As palavras, nunca pensadas por mim e nunca ditas por outros, me levam a crer que isto não é um sonho. Esfrego os olhos para tentar acreditar no título do blog. Agora sim, as peças começam a se encaixar. Num hiato da ditadura da razão, compreendo tudo, o inimaginável se descortina à minha frente com uma clareza incômoda. A simples leitura do título em letras maiúsculas, elucida o mistério.

O MIMEÓGRAFO PISCA-PISCA

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